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Por: Paulo Maia
Durante os longos seis anos em que vivi na Amazônia, digo longos anos porque na Amazônia tudo é longo, largo, grande e possui dimensões inimagináveis, aprendi entre tantas coisas a respeitar e a entender as forças da natureza. Para isso, bastava observar a calma e a sabedoria com que o caboclo da região cruza os gigantescos rios, em extensão e volume d’agua, que, na verdade, são suas ruas e estradas.
Em uma canoa que mal cabe um homem, depois de deixar o seu tapiri e cruzar os igarapés, ele atravessa sob chuvas torrenciais os Solimões, os Negros e os Madeiras de sua vida, beneficiando-se de suas fortes correntezas e, de forma hábil, chega à beira das minúsculas e sempre abandonadas cidades ribeirinhas para vender os seus tucunarés, tambaquis e tracajás ou trocá-los por sacos de farinha ou de pupunhas, por exemplo.
Respeitar a natureza e aprender com ela, não se rebelando contra sua força, é, no mínimo, um grande sinal de sabedoria e aprendizado humano. Para que isso aconteça, não carece de grandes aparatos tecnológicos que, usados de forma correta, ajudam mas que não são necessários para alertar sobre um fenômeno comum e altamente previsível como o que chegou em nossa região, na noite de segunda-feira, dia 05. Em cidades abandonadas politicamente como o Rio de Janeiro, uma pequena chuva já é motivo de enorme preocupação, imagina quando ela deixa de ser pequena.
Diante da total isenção do governador do Estado que culpou as mortes “por causa das pessoas que vivem em áreas de risco” e do prefeito do Rio que pedia que as pessoas necessitadas buscassem ajuda nas proximidades, nas áreas pobres, o caos se instaurou.
Como protetor dos animais e ambientalista, depois de longas horas em árduos trabalhos para ajudar pessoas e animais, duas cenas me chamaram ainda mais a atenção. Uma em São Gonçalo, na região metropolitana, onde uma família inteira, ajudada somente pela população, deixava a sua humilde casa e cruzava ruas que viraram rios, fugindo de barco, nele levando um cachorro vira-lata tão molhado e tão magro que era a perfeita tradução do que estava acontecendo: desolação pelo total abandono das autoridades.
A outra cena aconteceu com uma senhora que, ilhada na Lagoa Rodrigo de Freitas, depois de ser alertada pelo repórter de que a região estava submersa, exclamou: “Meu santo, a cidade fechou… Parou!”.
Quem sabe se fizermos uma reflexão em conjunto não iremos perceber que o despreparo do poder público, aliado a um grande descaso e ao enorme grau de aceitaçao da nossa população fizeram com que o Rio de Janeiro tenha fechado, parado no tempo, há muito tempo! E que, através desta reflexão, poderemos descobrir o óbvio, ou seja, que precisamos de administradores de verdade que dediquem suas vidas a trabalhar e saibam pelo menos a simples diferença entre rios, igarapés, igapós, ruas e estradas e que fenômenos naturais são previsíveis, altamente previsíveis, preservando assim… vidas, tão somente vidas!
PAULO MAIA É JORNALISTA, AMBIENTALISTA, DIRETOR PRESIDENTE DA ONG SOS AVES E CIA.
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