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Por: Paulo Maia
Criança pequena, menino moleque de Niterói, guardo em mim a infância explorada ao máximo no bairro do Fonseca. Lembro-me da chuva caindo e eu e meus irmãos atirando-nos ao chão, delizando no liso de um cimento misturado ao amarelo, verde e vermelho.
Na imensa casa do subúrbio niteroiense cresci ouvindo música e uma delas era do Martinho da Vila. “O pequeno burguês” era um hit que animava nossas vidas: “…mas burgueses são vocês, eu não passo de um pobre coitado..”. E com Martinho vi minha família batucando na cozinha e com ele vi minha juventude pedir para alguém sair da aba do meu chapéu e por aí vai…
Homem feito, vibrei com o sonho de um sonho e as mentes abertas que fizeram vibrar a Unidos de Vila Isabel e agora me pego constrangido quando vejo que uma das maiores expressões da música do meu país, de minha cultura se posicionou de forma “tão natural” sobre os peixes.
A coluna Gente Boa publicou no último domingo que Martinho é capaz de ficar horas sob a ponte Rio-Niterói pescando e que, segundo ele, não existe bom pescador e sim peixe otário. Eis que me senti provocado, fechei o jornal e me pus a escrever.
Me recordo da confusão em que me vi envolvido quando conheci um sujeito que ostentava na popa de sua magnífica lancha um marlim azul empalhado como troféu por ter MATADO o maior peixe da competição. Sem saber que ele era o dono da festa da qual eu participava, perguntei ao grupo que me cercava o que levava um homem a tirar a vida de um peixe daquele tamanho se o resultado era tão somente um troféu na estante. O silêncio foi estarrecedor e eu, obviamente, deixei a festa.
Nunca imaginei que fosse tão difícil explicar para as pessoas que aquele velho e gigantesco marlim azul tem o mesmo valor de um cachorro de estimação, de um gato de estimação, de um homem de estimação.
Uma baleia cruzando os mares não pode e não deve ter menos valor do que um cão correndo em um parque. Uma ave rasgando o céu em busca de seu destino não pode e não deve ter menos valor do que um gato deitado em um ambiente afortunado e nem tão pouco tem menos valor um jegue, que passa a vida carregando peso, do que um cavalo que corre em uma pista de hípica, adestrado pelo seu dono, para lhe trazer fortuna. Isto é especismo!
Penso que o grande mestre da música popular brasileira se equivocou ao fazer tal afirmação, pois não existe peixe otário. O que existe são peixes que buscam nadar em águas não poluídas pelo homem e que, inocentemente, ao buscar pelo seu alimento, encontram a morte, assim como homens, mulheres e crianças, no continente africano, perdem suas vidas ou têm seus corpos dilacerados por minas camufladas sob a terra quando, na verdade, procuravam um caminho para uma nova vida longe de seu algoz.
Paulo Maia é jornalista, ambientalista, Diretor Presidente da ONG sos aves e cia.
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